terça-feira, 28 de outubro de 2008

Da magia à razão

A cada segundo de sua existência o homem tem tentado suplantar a si mesmo enquanto persiste em sua tentativa de compreender o mundo que o cerca. Buscando exteriorizar o que sente, ele expressa-se nas mais diversas formas, desde as mais básicas pinturas rupestres, até os limites da nanotecnologia, inserindo em cada invenção um pouco daquilo que é.A cada passo, o tempo que o aguarda torna-se completamente distinto do que fora antes, apenas pela força de seu desejo de mudar.
Todavia, o movimento que pode parecer natural à observação, é o resultado de uma árdua batalha entre a vontade humana e o medo. Esse mesmo sentimento que foi arma de coerção durante séculos e que até hoje mostra- se eficaz nos estratagemas que visam o controle social. Nada mais fácil do que dominar indivíduos aterrorizados, convictos de que somente uma força maior seria capaz de mantê-los a salvo daquilo que temem. Mas o que afinal, teme o homem? A resposta sempre foi a mesma: O maior objeto de medo é o desconhecido.
Incansavelmente cada grupo social tem, desde o mais remoto dos tempos, dialogado com seus temores, na tentativa de explicar o que ignorava, num mundo que encerrava segredos os mais diversos e dado a fenômenos imprevisíveis. Como entender o estrondo que rompia o silêncio, ao que se seguia um absurdo risco luminoso cortando os céus sem aviso? De que modo explicar o que parece impossível, dado o repertório do homem primitivo, e uma vez que se sabia completamente alheio ao mistério que se desenrolava diante de seus olhos? Ainda assim, ele tentou e traçou hipóteses, criando os primeiros deuses do imaginário humano. E cada fenômeno recebia um nome, sendo neste mesmo instante, personificado de coisa desconhecida à entidade sobrenatural: Nascia o mito.
Foi na busca pela compreensão que o ciclo histórico iniciou seu curso, aliando o repertório de signos conhecidos à infinita imaginação do indivíduo. E assim como nasceram as lendas, criou-se o pensamento filosófico, buscando no desconhecido de si mesmo as respostas daquilo que se ignorava. Foi o momento em que o homem ao olhar para seu próprio interior, reconheceu-se como ser capaz de estabelecer relações entre aquilo que sabia e o que captavam seus sentidos. E ao representar o sentir, criou a manifestação artística.
A arte, enquanto produção humana traz em seu cerne o mistério da criação divina e o processo empírico de conhecimento, através do uso de ferramentas as mais diversas, na tarefa de expressar o ser. É palavra, escrita ou pintada, moldada segundo as aspirações daquele que a criar, seja onde for o local de sua geração. Mármore ou tela, som ou movimento, imagem ou pensamento, a arte estabelece um vinculo dialógico não somente com a racionalidade, formada por séculos e séculos de aspiração humana, mas com o desconhecido, o inexplicável, o sentido que vai além do sentir, que sobressai a qualquer observação, no campo do mito.
Diante da arte, o homem se posta, não somente como agente da ciência, de posse de ferramentas de conhecimento, certo de poder explicar com sua gama de argumentos baseados na razão o evento que se apresenta, mas como o primeiro homem postou-se ante o primeiro fenômeno que não soube explicar: atônito.
Buscando, sem encontrar por vezes, resposta em seu repositório de explicações para a arte que contempla, o indivíduo somente vai conseguir captar inteiramente esta expressão artística, não só pelo uso daquilo que conhece, mas pelo mergulho no terreno do desconhecido, penetrando o universo do sentir. É ali, no espaço exato entre uma e outra nota, na diferença de nuance das cores de uma tela ou nas lacunas da frase escrita no papel onde persiste o real significado: Na sensibilidade que não se explica, no silêncio que paira sem que se consiga dizer uma palavra. É a magia do mito, trazendo à tona o que nos torna além de simples animais: Antes de nossa capacidade de pensar, nossa absurda e inexplicável finalidade de sentir.

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