domingo, 14 de setembro de 2008

Coluna: Literatura(por Tatiane Mendes)

“Úrsula não se alterou:
- Não iremos-disse. Ficaremos aqui porque aqui tivemos um filho.
-Ainda não temos um morto, disse Jose Arcádio. A gente não é de um lugar enquanto não tem um morto enterrado nele.
Úrsula replicou com uma suave firmeza:
- Se é preciso que eu morra para que vocês fiquem, eu morro.”

O dialogo acima é travado entre Úrsula e José Arcádio, personagens de Gabriel Garcia Márquez.Colombiano, nascido em 1927, iniciou sua produção literária com o livro “La Mojarasca”, em 1955, influenciado pelas histórias contadas pelo avô, Nicolas Márquez, veterano da Guerra dos Mil Dias e também pelos acontecimentos políticos que levaram a família a deixar a cidade natal de Aracataca, quando o escritor ainda contava oito anos, em meio à crise da industria bananeira, fato retratado em “Cem Anos de Solidão”, que lhe rendeu o prêmio nobel de literatura em 1982.Exerceu as funções de jornalista e editor, tendo sido também ativista político durante toda a vida.
A obra em questão é escrita no estilo literário do realismo fantástico, gênero criado pelo autor em conjunto com outros expoentes da literatura latinoamericana, influenciado pela obra “A metamorfose”, de Franz Kafka.Em dado momento , o personagem do livro transforma-se em um inseto,ao que o autor colombiano observa:”Então eu posso fazer isso? Criar situações impossíveis?
É neste viés que nasce a história da aldeia de Macondo,palco das vicissitudes de toda uma geração.
A obra relata a saga da família Buendía,tendo como patriarca Jose Arcádio e sua mulher,Úrsula. Ele, dono de uma personalidade em permanente estado de inquietação perante as descobertas científicas que chegavam através das trupes de ciganos que invadiam Macondo todos os anos,como mensageiros dos novos tempos.
A mulher por sua vez,carrega o fardo de manter a unidade familiar,seja nas atividades domésticas que acumula enquanto o marido mergulha em experimentos de alquimia,ou na tenacidade com que se mantém de pé ao longo do século em que a trama se desenrola. Seus filhos,Jose Arcádio,Aureliano e Amaranta, tem características que vão estar presentes em todos os descendentes. Além disso , serão batizados sucessivamente com os nomes de seus parentes,demonstrando o laço sanguíneo que envolve cada personagem e o amarra às essências de seus antepassados,levando-os a cometer os mesmo erros e vivenciar as mesmas dores, entrelaçando-se em histórias que correm simultâneas e que se misturam à própria evolução do povoado em que vivem.
Os filhos de Úrsula são as três substancias elementares da alquimia genealógica de Gabriel Garcia Márquez. O mais velho,Jose Arcádio,é o ímpeto de conhecer o novo, a coragem de romper com os laços familiares, na sua fuga com os ciganos ou no momento em que torna à cidade e arremata o coração de Rebeca, noiva do professor de música Pietro Crespi, objeto de disputa com Amaranta.
Essa última é o lado mais visceral e obscuro da família, guardando uma paixão tão desmedida dentro de si pelo italiano Pietro,que ainda assim não a impede de rejeitá-lo quando este a procura, abandonado por Rebeca. Seu amor é tão profundo que se basta sem que se concretize, então ela o repele branda mais inabalavelmente, não voltando atrás nem mesmo quando este se suicida. Então, num gesto impulsivo,descansa uma das mãos sobre as chamas do fogo até que a dor da queimadura diminua a tristeza pela morte do professor. Amaranta é o amor não correspondido,levado aos limites do seu universo interior e encarcerado pelas conveniências.
Aureliano por sua vez é o olhar contemplativo do homem em direção a si mesmo, eternamente mergulhado numa existência melancólica, o que não o impede de se tornar um coronel revolucionário, que não hesitou nem mesmo diante do pelotão de fuzilamento.
O ímpeto de Jose Arcádio, a paixão sufocada de Amaranta e a melancolia reflexiva de Aureliano são elementos que se fundem em cada um dos descendentes, como numa sucessão de experiências alquímicas de Melquíades, o cigano que profetiza o fim da linhagem dos Buendía, e que ao longo da história será o símbolo do desconhecido ,do místico, algo que exerce sobre cada um dos Buendía uma irresistível atração.
No desenrolar dos anos,fatos políticos são retratados , como o caso das compainhas bananeiras norte-americanas, que se instalaram nas republicas latino-americanas no início do século vinte e que permitiram a entrada maciça do governo dos EUA nestes países, atuando como governo auxiliar e ,em muitos casos,financiando regimes ditatoriais. A menor tentativa de revolta era duramente reprimida, como no episódio da estação de trem, retratado no livro, em que o exército promove um massacre entre os populares e ,com a exceção de um personagem,não há registro do fato,gerando uma verdadeira lacuna histórica na cidade.
O tempo corre e desencadeiam-se os dramas dos personagens, fundindo-se à história do lugar, como um longo novelo a desfiar um romance sem fim, até terminar com o último Buendía decifrando os pergaminhos ciganos e tomando consciência de seu destino implacável, não deixando rastro da família, como prediziam as profecias de Melquíades, pois, “as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra”.

Um comentário:

Alexandre Bizerril disse...

Eu tenho que admitir que não conhecia a história narrada nesse livro, pra mim funcionou como uma revelação a sua coluna. Vou procurar ler esse livro. A saga dessa família e a maneira como o Gabriel Garcia Marquez deve misturar a ficção para contar momentos historicos, imagino que seja uma narrativa gostosa de se ler como "Memória de minhas....".
Parabéns!!! Incutiu-me a vontade de ler um livro que vale a pena.