domingo, 21 de setembro de 2008

Coluna: Cinema (por Alexandre Bizerril)

O poder do discurso

“Mas, o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo?”
Michel Foucault

“Bom dia, boa tarde e boa noite!” Começando mais uma vez educadamente essa coluna, quero comentar hoje sobre um filme que me chamou à atenção já há algum tempo. “Um estranho no ninho” ("One Flew Over the Cuckoo’s Nest", 1975, EUA) do diretor Milos Forman - o mesmo que dirigiu “Amadeus”, “O mundo de Andy” e “O povo contra Larry Flynt” - produzido por Michael Douglas. Estrelado por Jack Nicholson, Louise Flecther, William Redfield, Will Sampson, Christopher Lloyd, Danny DeVito e Brad Dourif. Este filme foi vencedor dos cinco principais "Oscars": melhor filme, melhor direção, melhor ator (Jack Nicholson), melhor atriz (Louise Fletcher) e melhor roteiro e ainda teve outras quatro indicações: melhor ator coadjuvante (Brad Dourif), melhor fotografia, melhor edição e melhor trilha sonora.
A sinopse do filme talvez não chame muito à atenção; desajustado vai para a cadeia e, fingindo-se de louco, é transferido para um hospício, mas ganha a inimizade da enfermeira-chefe por incentivar os outros internos à rebeldia. Aparentemente nada demais, porém os fatos que sucedem a sua chegada ao internato chamam a atenção pela disputa de poder ou o direito ao discurso.
Segundo Foucault, o regime de interdição é um dos três princípios de exclusão, onde “... não se tem direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa”. E o próprio Foucault subdividiu esse processo de exclusão em três tipos: “tabu do objeto, ritual da circunstância e direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala” – “... três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se compensam, formando uma grade complexa...” Nem todo mundo, ou ninguém, pode falar o quiser, em qualquer momento sob pena de sofrer medidas coercitivas. Este é o caso dos internos do “ninho”.
O recente interno R. P. McMurphy (Nicholson) vem de uma prisão agrária onde realizava trabalhos forçados e também tinha os seus direitos a discursar castrados. Ele vê no sanatório uma possibilidade de ser solto de maneira mais rápida e sem ter que fazer muito esforço. Mas não é isto que constata com o passar do tempo e com o convívio com os outros internos. Todos os horários são controlados e sempre existem momentos para se falar exatamente sobre o que lhes é perguntado, discursos livres são sempre rejeitados. Uma das cenas que mais evidenciam esse tratamento foi à segunda reunião do grupo que é mostrada pelo diretor como uma disputa de poder. O que poderia ser apenas um simples pedido para ver um jogo de beisebol acaba se tornando um exemplo dessa disputa entre a enfermeira-chefe Ratched (Louise Fletcher) e o paciente McMurphy. Quem tiver a oportunidade de acompanhar o filme irá perceber que nesse momento já começa a existir uma mudança de comportamento dos internos, que, antes, aceitavam todas as sugestões da enfermeira sem questionar, mas agora acolhem a palavra de um "cara" que visivelmente tentava quebrar paradigmas e alcançar a liberdade. Mesmo que essa liberdade que ele tanto almeja nunca possa ser alcançada (ou pode?). O personagem de Nicholson se torna um líder para os internos – principalmente para Bily Bibbit (Brad Dourif), que o via como uma possibilidade de pai em oposição à imagem da mãe que castrava seus atos, palavras e sentimentos, e para o Chefe Bromden (Will Sampson), que o via como o exemplo de homem-livre, senhor de si e de suas ações. Essa liderança começa a ameaçar o poder da instituição personificada na imagem da enfermeira Ratched. Quando acontece isso, a maneira mais indicada pela instituição é punir com terapia de eletrochoque. Será que essa terapia servia para corrigir ou para punir?
R. P. McMurphy mostra ser um personagem carismático em meio a todo um ambiente rotineiro que ele mesmo tenta mudar. Seu carisma, mesmo que passageiro, poderá modificar aquele local e as pessoas que lá vivem e trabalham? Talvez, mas o filme também trás um ar de esperança quanto a possibilidade de mudanças.

Um comentário:

Tatiane disse...

O que dizer dessa coluna?Cinema temperado com reflexoes filosoficas,tudo isso com molho foulcaltiano....rs...Excelente!!Está melhor a cada dia..Estou aprendendo muito com seus textos....So falta inaugurarmos o cine clube e entao fica perfeito....kkk
muitos beijos e parabens!!!