Querida paixão,
Desculpa incomodá-la assim, no meio da noite, com essa carta. Na verdade, não consigo parar de pensar nos amores passados, com os quais, não entendo porque, infelizmente, não permaneci.
Não ouso crer tê-la avistado, de véspera, certo de ter finalmente encontrado a tão sonhada metade da laranja ou, se, de fato, amei todo tempo de forma breve e finita, com exigências mil a vasculhar as estranhezas – entranhas – de cada dia e noites em que deixava repousar as amantes em meu colo. Talvez seja daquelas façanhas do destino. Prefiro imaginar mesmo o incomparável sabor do ineditismo, aquela sem-razão visceral, força motriz dos semideuses rumo ao apogeu.
A questão, meu amor (ou sombra exuberante avistada e sentida de perto sem nunca poder tocar), é andar extasiado com sua representação. Ouço dizer aos quatro cantos do amor como uma chama ardente no peito, dos rompantes extremos, pelo desejo ensimesmado de querer estar perto do outro e ser bajulado de maneira igual ou maior. Inevitavelmente gostar da companhia do outro e adorar fazer coisas simples junto. E se for mais? Como suprassumo imediato do viver?
Daí, fico aqui pensando que tudo isso para mim tem uma porção de outros possíveis nomes também: cumplicidade, tesão, bem-querer, vontade de ser aceito, alterego, humanidade, paixão, e até mesmo (por que não?), a mais rudimentar amizade.
Sabe-se lá meu erro (ou, será que poderia dizer: nosso erro?) seja nunca conseguir alinhar minhas expectativas à minha visão de mundo. É querer, de modo completamente estapafúrdio, um amor estilo Hollywood, desses que batem e pá: corta para a cena do beijo com fogos de artifício ao fundo. Embora seja de outra galáxia...
Talvez, o meu equívoco (ou, poderia, novamente insistir, o nosso?) seja confundir paixão com você. Não pelo “paixão” pelo qual carinhosamente clamo você. Porque quando olho para trás e revejo diversas relações incrivelmente passionais que vivi, percebo que elas não passaram de uma paixão devastadora, mas que nunca evoluiu para o que, agora, depois de tantos fracassos, parece-me ser você. Deus do mundo, cuida bem do amor, guardado para mim...
É possível que, na ânsia de te encontrar definitivamente, eu tenha perdido o compasso daquilo que deveria ter sido (e que deve ainda ser) o meu andar pela Terra. Creio ser provável ainda que eu tenha feito esforço demais. Creio ser provável ter feito, muitas vezes, vista grossa para tudo aquilo que deveria me fazer torcer o nariz desde o princípio.
Vez e tal, a gente se tranca e pensa não haver mais qualquer suspiro de felicidade. E, acredite ou não, meu prezado amanhã, a coisa mais triste do mundo é perceber, ora, não ter mais tanto a viver. Sentir-se especial diante do “mundo”... nossa! Que tal? A graça é insistir sem remédio. Pressentir sem culpa. E decidir sem qualquer contrarrazão. Compreender, mais do que com o coração; sacar, com os próprios neurônios, a melodia quase indecifrável da orquestra; e, sentir a música, antes inaudível, tocada para a dança principal, a dois, com novo ritmo – como recomeço.
Juntar seus passos aos de alguém é uma viagem extraordinária - cheia de cores e euforia e completamente angustiante ao final das contas. Procurar-te, meu caro amigo, aliás, nos cobra juros altíssimos, diria, quase impagáveis. E aí, o que fico aqui pensando, enquanto divido minha vida pregressa entre o armário e a lata do lixo, é: como podes ser tão cruel e, ao mesmo tempo, tão raro - no sentido mesmo de querido - aos nossos corações?
O fato, em si, é não querer de jeito algum abrir mão de você. Multiplicar em razões logarítmicas a função inequívoca de te ter em meus braços. Enfim, 1% anjo da humanidade, venho, por meio desta missiva, pedir-lhe apenas uma chegada mais calma, leve e sincera. Dessa vez, com uma doçura instalada quase que imperceptivelmente. Que você entre sem sapatos na casa, sem alardes, sem batuques. Use a roupa mais sedutora e elegante. Que adormeça ao meu lado e acorde antes que eu o perceba e parta, ainda silencioso. Mas que volte, todos os dias e todas as noites que quiseres. Eu, de minha parte, prometo ser paciente, esperar, respeitar e celebrar as suas intempéries. Imploro a ternura abissal dos mais reluzentes encontros. E as escoriações, se vierem, o façam não por impacto, mas por persistência.
Pode virar do avesso minha vida, retirar-me o prumo, invadir a mente. Venha como uma pluma: sábia, sólida e delicada. Coma a possível oferta e não vá com sede demais ao pote, mas saiba da minha incondicionalidade. E que, dessa vez, você saia do casulo com suas cores mais belas e plenas. Não tenha vergonha, sobretudo de aderir a suas malas e viagens. Agora, com olhar mais apurado, eu sei apreciar também aquilo que não é só belo. Venha espontânea e serena, também com suas linhas tortas, pois cá estarei eu também nu, confidenciando todos os encantos e limitações.