VOZ INTERIOR
“O nosso universo imaginário só não desconstrói aquilo que ele não constrói...”.
Filipe Barbosa.
Parecia mais uma quarta-feira daquelas semanas de final de ano. Era mais do que todos viam. Um repertório pleno de fundo passional, um caminho inocente na viagem pelo novo. A pedra que divide um rio. Enxurrada de emoções.
Aqueles olhos demasiadamente curiosos provocaram em Enzo um fascínio espantoso, coisa por que nunca imaginara passar. Um bombardeio interno, a sensibilidade sobre sua própria razão, o sem-querer vacilante que pede na hora mais incerta o subterfúgio de suas forças, aquela ação inesperada.
Tudo começou naquele tropeço despropositado em que o encontro fora inevitável. Carregava consigo seus livros de Artes e um amor consumado pela arquitetura, à medida que suas opiniões se manifestavam desconexas e oportunas. Um minuto se passou, e, nesta fração, Enzo já conheceu algo que em anos passados nunca percebera tão sedutor. Seu nome: Cassandra. Teria perguntado em meio ao intervalo entre os joelhos flexionados e a coleta dos livros, espalhados, e seus muitos lápis, o que, após algumas perguntas, saberia que alimentava uma paixão incondicional pela criação.
Apenas um esboço de sorriso. Foi o suficiente para que o rapaz, de origem suburbana, levasse um troféu para casa, como quem vence um campeonato de futebol universitário. Todo o encantamento produzido é a fórmula singular de um sentimento provocado pela especulação da verdade, a inevitabilidade da vontade. Por mais que não se espere por isso, vem à tona como avalanche. Fenômeno interior, cuja voz pairaria em seu inconsciente, promovendo desejos súbitos de transformação, da liberdade de expressão do sentimento presencial, imprescindível a partir daquele instante, na tal da imprevisibilidade dos acontecimentos.
Aqueles passos se interferiam, sorrateiros, e demonstravam a pressa de quem se mostra sedenta pelo conhecimento. E o cheiro do perfume, singular pelo gosto peculiar, cativo, lisonjeando-lhe o olfato pela chegada do amor correspondente, lúcido, como a estrita forma de entender como a continuidade do ser pode vir acompanhada de um lapso virtuoso do destino, inconstante na factualidade, contudo contundente em sua inédita apresentação.
Expressava a simplicidade no jeito de menina, nos vestidos sem estampa, na ausência de maquiagem, na delícia que era, para Enzo, ouvir a sua voz fraca em baixo tom eclodir com a consistência de seus questionamentos. O momento era o reconhecimento da legitimidade de seu discurso. A afirmação da felicidade, um passaporte sem licença.
Daquele momento em diante, o compromisso entre os dois era o da cumplicidade exercida em comum acordo com a espontaneidade de gestos sublimes, únicos, transparentes, seus. A blusa de Cassandra, levemente caída nos ombros, significava o desleixo desprovido de culpa, o que não permitia a Enzo outra interpretação que não fosse a doce satisfação do vislumbre com a beleza interiorana das curvas da menina de uns vinte e poucos anos.
A transfusão de sensações era o apelo distribuído entre os olhares hipnotizantes, a disritma impiedosa daquele emaranhado especial. Noites intermináveis entre o casal se faziam na predisposição do livre-arbítrio; as escolhas são produto da sobreposição da reciprocidade em detrimento da razão desenvolvida.
A grande descoberta de Enzo foi a retribuição incondicional de atos improvisados na exposição cotidiana, haja vista os julgamentos estabelecidos serem compreendidos como tão superficiais perante aquelas poucas longas menções de uma flor de fino trato, divinal, com um brilho angelical, linda vida.