quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Cartão de Visita

Querida paixão,  

Desculpa incomodá-la assim, no meio da noite, com essa carta. Na verdade, não consigo parar de pensar nos amores passados, com os quais, não entendo porque, infelizmente, não permaneci.

Não ouso crer tê-la avistado, de véspera, certo de ter finalmente encontrado a tão sonhada metade da laranja ou, se, de fato, amei todo tempo de forma breve e finita, com exigências mil a vasculhar as estranhezas – entranhas – de cada dia e noites em que deixava repousar as amantes em meu colo. Talvez seja daquelas façanhas do destino. Prefiro imaginar mesmo o incomparável sabor do ineditismo, aquela sem-razão visceral, força motriz dos semideuses rumo ao apogeu.
A questão, meu amor (ou sombra exuberante avistada e sentida de perto sem nunca poder tocar), é andar extasiado com sua representação. Ouço dizer aos quatro cantos do amor como uma chama ardente no peito, dos rompantes extremos, pelo desejo ensimesmado de querer estar perto do outro e ser bajulado de maneira igual ou maior. Inevitavelmente gostar da companhia do outro e adorar fazer coisas simples junto. E se for mais? Como suprassumo imediato do viver?

Daí, fico aqui pensando que tudo isso para mim tem uma porção de outros possíveis nomes também: cumplicidade, tesão, bem-querer, vontade de ser aceito, alterego, humanidade, paixão, e até mesmo (por que não?), a mais rudimentar amizade.
Sabe-se lá meu erro (ou, será que poderia dizer: nosso erro?) seja nunca conseguir alinhar minhas expectativas à minha visão de mundo. É querer, de modo completamente estapafúrdio, um amor estilo Hollywood, desses que batem e pá: corta para a cena do beijo com fogos de artifício ao fundo. Embora seja de outra galáxia... 

Talvez, o meu equívoco (ou, poderia, novamente insistir, o nosso?) seja confundir paixão com você. Não pelo “paixão” pelo qual carinhosamente clamo você.  Porque quando olho para trás e revejo diversas relações incrivelmente passionais que vivi, percebo que elas não passaram de uma paixão devastadora, mas que nunca evoluiu para o que, agora, depois de tantos fracassos, parece-me ser você. Deus do mundo, cuida bem do amor, guardado para mim...

É possível que, na ânsia de te encontrar definitivamente, eu tenha perdido o compasso daquilo que deveria ter sido (e que deve ainda ser) o meu andar pela Terra. Creio ser provável ainda que eu tenha feito esforço demais. Creio ser provável ter feito, muitas vezes, vista grossa para tudo aquilo que deveria me fazer torcer o nariz desde o princípio.

Vez e tal, a gente se tranca e pensa não haver mais qualquer suspiro de felicidade. E, acredite ou não, meu prezado amanhã, a coisa mais triste do mundo é perceber, ora, não ter mais tanto a viver. Sentir-se especial diante do “mundo”... nossa! Que tal? A graça é insistir sem remédio. Pressentir sem culpa. E decidir sem qualquer contrarrazão. Compreender, mais do que com o coração; sacar, com os próprios neurônios, a melodia quase indecifrável da orquestra; e, sentir a música, antes inaudível, tocada para a dança principal, a dois, com novo ritmo – como recomeço.

Juntar seus passos aos de alguém é uma viagem extraordinária - cheia de cores e euforia e completamente angustiante ao final das contas. Procurar-te, meu caro amigo, aliás, nos cobra juros altíssimos, diria, quase impagáveis. E aí, o que fico aqui pensando, enquanto divido minha vida pregressa entre o armário e a lata do lixo, é: como podes ser tão cruel e, ao mesmo tempo, tão raro - no sentido mesmo de querido - aos nossos corações?
O fato, em si, é não querer de jeito algum abrir mão de você. Multiplicar em razões logarítmicas a função inequívoca de te ter em meus braços. Enfim, 1% anjo da humanidade, venho, por meio desta missiva, pedir-lhe apenas uma chegada mais calma, leve e sincera. Dessa vez, com uma doçura instalada quase que imperceptivelmente. Que você entre sem sapatos na casa, sem alardes, sem batuques. Use a roupa mais sedutora e elegante. Que adormeça ao meu lado e acorde antes que eu o perceba e parta, ainda silencioso. Mas que volte, todos os dias e todas as noites que quiseres. Eu, de minha parte, prometo ser paciente, esperar, respeitar e celebrar as suas intempéries. Imploro a ternura abissal dos mais reluzentes encontros. E as escoriações, se vierem, o façam não por impacto, mas por persistência.
Pode virar do avesso minha vida, retirar-me o prumo, invadir a mente. Venha como uma pluma: sábia, sólida e delicada. Coma a possível oferta e não vá com sede demais ao pote, mas saiba da minha incondicionalidade. E que, dessa vez, você saia do casulo com suas cores mais belas e plenas. Não tenha vergonha, sobretudo de aderir a suas malas e viagens. Agora, com olhar mais apurado, eu sei apreciar também aquilo que não é só belo. Venha espontânea e serena, também com suas linhas tortas, pois cá estarei eu também nu, confidenciando todos os encantos e limitações.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Ases da Imaginação

O mundo é uma caixa de surpresas, tão complexa quanto original. Um novo dia comporta os malgrados e encantos, todos combustíveis para a reprogramação do porvir. Vida cativa, entre dores e rumores, doutrina dissabores ao correr indissolúvel do tempo, tamanha a resenha decorrente do curso intangível da matéria, enquanto partícula transformadora do universo. 


Desde o vazio recôndito ao eco dos silêncios cotidianos, há aprendizados. Folhas mórbidas, ao despencar da árvore, altiva e soberana, mostram a lacuna lúdica – e cabal – das perdas e imbricações no real. Um tropeço cômico numa mera caminhada de casa ao trabalho pode ser visto como um acidente ou como o prelúdio de um dia péssimo na sequência. Nada é regido sob encomenda. É essencial olhar para fora, concomitantemente com o “vide interior”, a saber da inequívoca salubridade quanto ao modus vivendi em sociedade. O que será da vida sem a menção aos riscos e possíveis medos? 


Sob as perspectivas da insanidade coletiva, vale ressaltar que a loucura da massa representa a moção ilógica dos valores cognoscíveis frente ao descontrole irrestrito dos ditosos chefes da malha provinciana, cuja cidadela padece ao bojo dos impropérios e calamidades suntuosas. Compete à transgressão incorruptível dos mais belos campos e corredores do bem a infinita angústia pelo frescor ou ardor dos próximos horizontes. Quantas histórias serão necessárias para dirimir todos os anseios centrais à toda prova na presente realidade? 


Cabe precisar a litúrgica corrida dos homens à procura da felicidade. Mal sabem os próprios da morada trivial do amor. De divertir-se carece. Entretanto especial mesmo é florescer mediante a flexão poética de cada raiar. Compor versos mágicos a perder de vista. Sem atinar nem procrastinar. Sem abreviar emoções. Como prever o amanhã sem os notórios prantos? Como conceber o futuro sem os sonhos tantos?