sexta-feira, 4 de julho de 2008

Somos heróis?

Somos heróis?
No período de 1964 a 1985 o Brasil atravessou uma ditadura militar que ,recorrendo à legitimação pela força ,estendia o braço do Estado até os limites do inimaginável através do uso de prisões e torturas contra todo e qualquer cidadão,assim denominado por força do hábito mas completamente desprovido de sentido pela total ausência de humanidade nas relações entre este e o governo.Alguns organizaram-se em movimentos e recorreram às armas para tentar conter o inimigo que se aproximava por todos os lados,insaciável,tomando todas as garantias constitucionais tão duramente conquistadas ao longo do tempo e acabando por extinguir a própria constituição.Foram exterminados,cruelmente perseguidos e expulsos do solo nacional.Anos passaram sem que se soubesse seu paradeiro.Poucos conseguiram retornar.
Em maio de 2008 uma equipe de reportagem do Jornal o Dia foi capturada por integrantes de grupos paramilitares em Realengo,sendo submetidos a tortura física e psicológica por longas sete horas.
A relação entre esses dois episódios,longe de assemelhar-se pelo método brutal de coerção empregado pelos autores de ambas as situações ou mesmo da legitimação de seu poder,seja pela ausência do poder do Estado,no caso dos paramilitares,ou pela própria estrutura de governo para os militares brasileiros,reside na postura tomada pelo outro lado,ou seja,pelos heróis da história que seriam respectivamente os militantes políticos e os jornalistas .
Qual o papel do herói em nossa sociedade?Ate que ponto esse mito é estimulado e suportado pelas estruturas ideológicas da humanidade e porque ainda hoje existem aqueles que abdicam de sua própria felicidade em prol de um ideal ?A explicação começa muito longe daqui, nas narrativas da própria História e em seus personagens,quase sempre homens que sobrepujaram suas características humanas e conseguiram vencer as adversidades para alcançar um bem maior.Crescemos enquanto espécie sob a figura do mito ,que rompe o avanço do mal e abre mão de sua felicidade individual,arriscando-se em nome de uma ideologia,seja ela qual for.A cultura,oriental e ocidental esta calcada em exemplos,religiosos,políticos e mitológicos,que conseguiam sob o peso de suas próprias vontades,pôr em movimento o curso da humanidade.E para tornar mais valiosa a conquista,é preciso que sejam muitos os sofrimentos e adversidades,é preciso que haja sangue,suor,lágrimas e que seja superado um inimigo muito maior.Assim,nos ensinaram,muda-se o mundo e os exemplos estão em todos os lugares,no cinema,nas escolas,no inconsciente coletivo de cada um de nós fazendo-nos acreditar em que somente através dos grandes gestos promove-se revolução,não bastando ser “apenas” humano.
Mas estaremos à altura das exigências que nos forem impostas?Seremos capazes de transformarmo-nos em seres com características acima do comum e derrotar nossos inimigos?Não seremos.Superamos as expectativas dentro de nosso limite individual,fora dele somos apenas um conglomerado de células pensantes e muito sentimento,restritos à distância que alcançam os olhos .E quando tentamos romper nossos limites físicos,pela forca de um ideal,quase sempre nos deparamos com a força que é imposta àqueles que contra ela lutam.Não foram massacrados às centenas,os militantes de todas as gerações?Serviram de exemplo positivo e negativo.Mudaram o mundo?De certa forma,sim.Tornaram,como pretendiam,a vida da humanidade melhor?Não necessariamente e a figura do jornalista nesse contexto,entra sob o viés do romantismo ,como o herói que usa a sua coragem para lutar contra as injustiças sociais,investigando-as e denunciando-as,doa a quem doer.Assim como os revolucionários,vestido com a pretensa armadura da invencibilidade mítica,ele atua como sendo o grande agente de transformação,esquecendo-se de sua condição humana e portanto,frágil.
É dever do repórter ir além do limite do possível,arriscando a própria vida para exercer sua função esquecendo-se de sua frágil condição humana?Seria possível modificar o curso dos acontecimentos e a estrutura da sociedade apenas pelo sacrifício daqueles que têm coragem de se expor ao perigo?Até que ponto revolucionários e jornalistas que têm a pretensão de mesclarem-se em suas intenções mas ultimamente andam afastados em sua essência ,dada a atual conjuntura capitalista dos grandes meios de comunicação,atuam como agentes sociais na construção de uma sociedade mais justa?
Convém refletir que o papel mais revolucionário que nos cabe assumir é o de ser parte de um todo,seja como medico,engenheiro,operário,dona-de-casa e principalmente professor,ou seja,cidadãos.É na busca de uma condição comum a todos,que forma-se a consciência humana do fazer parte de um grupo e compartilhar com este um cenário social,sentindo-se responsável por sua estruturação ,não de forma ideológica e utópica,mas de modo prático,sem esquecer que sangue e lagrimas são menos revolucionários do que atitudes e dentro dessa ótica somos sim,capazes de muitos atos,senão extraordinários,ao menos capazes de realmente mudar o mundo. Não se muda a sociedade com grandes atos e a estética a que somos submetidos serve apenas de propaganda ideológica a objetivos quase sempre mesquinhos,usando a grande maioria da população como massa de manobra estratégica para interesses escusos.Muda-se o mundo não pelo sacrifício pessoal, mas pelo esforço coletivo em prol de um bem comum,atuando de forma a modificar a vida cotidiana de todos ,e aí então reformulando o conceito já esquecido daquilo que se chama comunidade.

Um comentário:

Filipe Barbosa disse...

Os "quase dois anos de convivência" em nosso pleito dentro da Comunicação Social me fizeram perceber os efeitos da nossa atuação profissional, enquanto formadores de opinião e pensadores sociais, associados a quaisquer perspectivas culturais que pudermos implementar ao jogo de nossas idéias. A sua ótica, preocupada com a observação de tudo ao seu redor, revela grande perícia na avaliação dos arremedos ideológicos de nossa carreira, sobretudo cerceada por toda particularidade suckowiana de cunho racionalista. Fomos (e ainda somos... com reticências) heróis da resistência!